Edson Fachin toma posse como presidente do Supremo Tribunal Federal nesta segunda
Gaúcho de Rondinha, ministro brilhou como volante no futebol amador antes de seguir para o mundo do Direito
29/09/2025 07:31 por Maira kempf

Mandato à frente do Supremo Tribunal Federal se estenderá até 2027. Andressa Anholete / STF
Em um dia de 1974, o ex-presidente Getúlio Vargas foi levado a julgamento. Não em um tribunal oficial, mas em um júri simulado em uma sala de aula de uma escola de Toledo, no Paraná, destinado a avaliar a conduta do antigo líder à frente do país.
Em defesa de Getúlio, o aluno Luiz Carlos Schroeder destacou inovações na legislação trabalhista e a criação de estatais como a Petrobras. No papel de acusador, estava um colega visto como promissor chamado Luiz Edson Fachin.
— Getúlio instituiu uma ditadura, que promoveu prisões políticas — argumentou o promotor de faz de conta adolescente.
Fachin garantiu a condenação fictícia de Vargas por quatro votos a três e estreou no universo do Direito com um desempenho que prenunciava o futuro. Meio século depois, em cerimônia marcada para esta segunda-feira (29), em Brasília, o gaúcho de Rondinha de 67 anos assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a expectativa de uma gestão marcada por um perfil pessoal discreto, pela defesa da democracia e pelo foco em temas trabalhistas e de direitos humanos.
Fachin será 51º presidente do tribunal, ao longo da história da instituição a partir da República.
Fachin foi eleito para o cargo em 13 de agosto. Terá como vice-presidente o ministro Alexandre de Moraes. Os dois ficam à frente do tribunal por dois anos.
— Ele tem um perfil muito discreto, não é uma pessoa de declarações. Mas é muito firme e não foge de questões polêmicas — avalia Schroeder, que manteve a amizade com o ministro do STF ao longo dos anos e estará presente na posse do ex-colega de colégio e de universidade nesta segunda.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, acredita que a posse de Fachin deverá sinalizar uma mudança de postura no órgão máximo do Judiciário brasileiro:
— É uma pessoa extremamente preparada, séria, que tem uma preocupação social grande. Mas é um ministro muito circunspecto, e acho que dará ao tribunal uma direção de aparecer menos fora dos autos. Deverá trazer mais institucionalidade ao Supremo.
O advogado avalia que essa guinada não deve ocorrer apenas pelas características do novo presidente, cujo mandato se estenderá até 2027, mas também pelo atual cenário político nacional.
— Embora seja um poder conservador, foi o que permitiu não ter um golpe. Passado esse risco, com a prisão dos golpistas, é hora de trazer realmente uma maior tranquilidade para o tribunal, e acho que o Fachin se adequa perfeitamente a uma maior circunspecção — avalia Kakay.
Postura favorável a trabalhadores
Como cada ministro que assume a presidência da Corte costuma se desvencilhar da relatoria de parte dos processos para assumir outras responsabilidades, Fachin deixará a supervisão de uma centena de ações ligadas à Operação Lava Jato, conforme o jornal Folha de S.Paulo. A decisão de quais litígios manterá para si ajuda a vislumbrar algumas das prioridades do ministro à frente do Supremo.
No Anuário da Justiça do Brasil 2025, publicação da plataforma Consultor Jurídico que analisa a atuação dos magistrados, o gaúcho radicado desde a infância no Paraná é descrito como "defensor dos trabalhadores" por se mostrar como uma voz determinada em "defesa da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Justiça do Trabalho". Por isso, por exemplo, decidiu manter consigo a relatoria do processo sobre "uberização" — que discute se há vínculo empregatício entre motoristas e plataformas como a Uber — e marcar o julgamento da causa para sua primeira semana na presidência.
Ministro é descrito como "defensor dos trabalhadores".Guilherme Lund / Secom TRT-RS / Divulgação
A decisão de manter ações envolvendo povos indígenas e questões territoriais, como a discussão sobre o marco temporal (lei aprovada pelo Congresso que limita reivindicação de terras), tem relação com o passado profissional do ministro. Nos anos 1980, atuou como procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e procurador jurídico do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná.
— Ele foi uma das pessoas que ajudou a fazer o planejamento dos primeiros assentamentos da reforma agrária no Brasil no período pós-ditadura — complementa Schroeder, juiz do trabalho aposentado, filho e neto de gaúchos, que hoje vive em Porto Alegre.
A vinculação aos direitos humanos também tem raízes na juventude de Fachin, que foi nomeado para o STF em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. Schroeder recorda que, durante o período em que ambos estudavam no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, o colega costumava acompanhar padres em visita a presos políticos do regime militar.
— Ele sempre foi muito próximo da Igreja Católica, dos setores progressistas da Igreja, e os padres tinham essa maior facilidade de entrar nos presídios, ele acompanhava — conta o juiz aposentado.
O novo presidente do STF também se manteve como relator de processos relacionados à superlotação de presídios e imposição de corte de cabelo e barba a despeito de convicções religiosas, por exemplo. Além disso, desde 2022, acompanha o plano do governo estadual do Rio de Janeiro para reduzir a letalidade policial. Em uma manifestação conjunta dos 11 ministros, neste ano, também apontaram omissão parcial do Estado e violação dos direitos humanos por parte de organizações criminosas, como restrições ao direito de ir e vir da população.
Recordista de habeas corpus
Em 1,1 mil habeas corpus julgados, Fachin concedeu a liberdade em 11% dos casos.ANDRÉ DUSEK / AGENCIA ESTADO
Em relação à postura mais garantista ou punitivista (conforme a maior ou menor prioridade dada aos eventuais direitos dos réus, respectivamente) em que costumam se dividir os magistrados, Fachin tende a ser mais associado ao primeiro grupo — mas essa não é uma classificação simples de ser feita. Conforme levantamento do Anuário da Justiça de 2025, o gaúcho foi o ministro da corte que mais concedeu habeas corpus nos últimos três anos. Em 2024, de um total de 1.133 habeas julgados, ele concedeu a liberdade em 11% dos casos. Em segundo lugar aparece Gilmar Mendes, com 9%.
Porém, como relator dos processos relativos à Lava Jato, recebeu críticas de setores à esquerda por respaldar decisões do ex-juiz Sergio Moro e negar pedidos da defesa do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Votou contra o habeas solicitado pelo então advogado de Lula, Cristiano Zanin — hoje colega de toga. Foi favorável à manutenção da condução coercitiva e da prisão após condenação em segunda instância, dois mecanismos que acabariam sendo considerados inconstitucionais pelo STF posteriormente. Mais tarde, quando vieram à tona denúncias de conluio entre Moro e procuradores, acabou por anular as condenações de Lula referentes à Lava Jato.
Para o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Cristiano Vilhalba Flores, a expectativa do mandato de Edson Fachin é bastante positiva.
— Além de ser um dos nossos grandes constitucionalistas e um dos operadores do Direito mais importantes das últimas décadas, é uma pessoa de trato fácil, muito dedicada a questões relativas a direitos humanos. Acredito que teremos um grande presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça — afirma Flores, lembrando que a mesma pessoa que coordena o Supremo acumula o segundo cargo.
Segundo o presidente da Ajuris, já vinha sendo negociada com o ministro uma visita ao Rio Grande do Sul. A expectativa é de que ocorra ainda neste ano.
Poeta e craque do meio-campo na juventude
Luiz Edson Fachin se graduou em Direito no Paraná.arquivo pessoal / zero hora
Muito antes de decidir o mérito de causas judiciais, Edson Fachin costumava decidir jogos de futebol. Na juventude, quando ainda não cogitava envergar a toga preta da magistratura, vestia a camisa de times de futebol pelos quais demonstrava talento tanto na armação do jogo, distribuindo passes e lançamentos, quanto atuando um pouco mais recuado — posição em que chegava a ser comparado ao ex-volante colorado Paulo Roberto Falcão.
— Começou na meia-esquerda, jogando com a camisa 10. Brilhava com a perna esquerda, era driblador, lançador. Depois, foi jogar de médio-volante, com a camisa número 5. Era elegante, tinha muita categoria. Lembrava muito o Falcão, até no jeito de andar — afiança o amigo Luiz Carlos Schroeder.
Jogou campeonatos amadores na cidade de Toledo e chegou a receber convite para treinar em clubes profissionais, mas acabou dando prioridade aos estudos e à futura carreira no Direito. Segundo Schroeder, o atual ministro também exibia talento com as letras.
— Escreveu três livros de poesia antes dos 17 anos. Era uma poesia existencialista, mas já tinha o grito de liberdade contra um regime autoritário, ainda que de forma velada, porque naquela época, em 1974, 1975, ainda havia muita prisão e tortura.
GZH
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